Sobre a exaustão
Decorrido um ano desde a confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil, notícias diárias e boletins de saúde vêm nos alertando para o aumento expressivo do número de pessoas infectadas.
A circulação de novas cepas do vírus e o relaxamento das medidas de proteção, principalmente em relação ao uso de máscaras e distanciamento social têm sido fatores importantes para o aumento crescente desses números.
Se por um lado conseguimos vislumbrar uma saída possível da crise com a chegada das vacinas, por outro continuamos patinando na ausência de um compromisso social que nos leve ao cuidado coletivo.
As festas e aglomerações têm sido alvos frequentes de denúncias nos meios de comunicação. O uso inadequado de máscaras (ou o não uso das mesmas) é prática comum observada. O negacionismo científico como movimento político produz desinformação e incertezas.
Nesse contexto, eu gostaria de refletir sobre dois aspectos que, a meu ver, potencializam os comportamentos descritos acima: a exaustão da pandemia e o negacionismo científico.
A Fadiga da Pandemia
No final do ano passado, a Organização Mundial da Saúde lançou um alerta às autoridades competentes sobre a necessidade de reforçar junto à população as medidas de autocuidado contra a covid-19: uso de máscaras, distanciamento social e higienização das mãos. Essa orientação foi consequência da observação do comportamento coletivo de flexibilização frente às medidas sanitárias adotadas pelos países da União Europeia. Autoridades de saúde estavam se referindo à Fadiga da Pandemia.
Tal fenômeno é uma reação esperada frente ao período prolongado de restrições que temos vivido. A fadiga da pandemia pode ser observada no comportamento coletivo, através da desmotivação em aderir aos protocolos sanitários, da alienação e da naturalização da pandemia e de suas consequências.
No início do aparecimento do vírus, tivemos que nos adaptar a uma situação nova e ameaçadora que surgia. Fizemos uso de nosso aparato físico e mental para responder e sobreviver a essa demanda de estresse agudo. À medida que a pandemia se prolonga, nosso desgaste com esse processo se intensifica e como consequência podemos observar a desmotivação e a exaustão, de acordo com o relatório sobre a Fadiga da Pandemia da OMS.
A motivação para o autocuidado deve ser entendida como um complexo jogo de forças que atuam dentro e fora do indivíduo. A história pessoal e as oportunidades oferecidas pelo meio sócio-político-cultural atuam como precursores para o agir.
A OMS apontou aspectos da pandemia que poderiam impactar a motivação dos indivíduos a aderir aos protocolos de proteção contra o coronavírus:
- A ameaça que o vírus representa pode diminuir na medida que as pessoas convivem com essa ideia durante um tempo prolongado. Além disso, os prejuízos pessoais, sociais e econômicos consequentes dos lockdowns e restrições podem aumentar. Para alguns o prejuízo decorrente das restrições pode pesar mais do que os riscos de contaminação pelo vírus.
- A urgência por mais autonomia e liberdade pode aumentar na medida que as restrições se prolongam e impõem diversos ajustes na vida do indivíduo e provocam uma sensação de pouco controle sobre o cotidiano.
- As pessoas podem, por mais chocante que possa parecer, naturalizar a pandemia e suas consequências, resultando num comportamento de indiferença.
O Negacionismo científico
No Brasil, além da exaustão vivenciada por muitos nesse processo, temos enfrentado paralelamente e diariamente o negacionismo da ciência e dos avanços da medicina provocando grande instabilidade social e falta de coesão coletiva.
O negacionismo científico como um movimento político disseminado e fortalecido nas redes sociais produz desinformação e incertezas.
A falta de convergência, diálogo e direcionamento entre as instâncias municipal, estadual e federal potencializam diferentes formas de entender e enfrentar a pandemia.
Combinação desastrosa
A combinação da exaustão da população e o negacionismo científico impulsionado por diferentes atores de nosso cenário político atual justificam uma parte significativa do desempenho do país no combate à pandemia.
A reflexão que proponho nesse texto é que voltemos nosso olhar para a nossa forma de atuação no coletivo. Reconhecer que estamos cansados e acolher esse sentimento é fundamental. Agir sem compromisso social coloca a vida de muitos sob o risco de morte. Não podemos entregar os pontos. A guerra não está ganha. A batalha está em curso e precisamos reforçar o nosso pacto pela saúde, pelo autocuidado e pelo cuidado com o outro.
E do ponto de vista individual, como poderíamos lidar com a Fadiga da Pandemia sem colocar em risco a nossa saúde e a saúde do outro?
- Reconhecer e acolher as sensações, os sentimentos, as emoções. Tomar em consideração a sensação de cansaço e reconhecer as emoções associadas a esse mal-estar. Refletir sobre as percepções e emoções já é um primeiro passo para não agir indiscriminadamente colocando a si e ao outro sob o risco de contaminação.
- Controlar e reduzir o tempo absorvendo notícias negativas. As informações de fontes seguras e baseadas em evidências científicas são necessárias para mantermos o pé na realidade e condutas coerentes.
- Retomar “estratégias e ferramentas” que promovam o bem estar, o autocuidado e a estabilidade emocional. Dedicar um tempo a alguma atividade prazerosa (leitura, jardinagem, música, pintura, meditação, dentre outras) ajuda a reduzir o estresse e a manter o foco no presente.
O engajamento em ações solidárias promove e potencializa sentimentos de pertença social e coletividade. A solidariedade pode engajar você no cuidado com o outro e consigo mesmo.